Reconhecer um suspeito é uma parte crucial de muitas investigações criminais, mas também é propenso a erros e vieses que podem levar a condenações injustas. Pesquisas mostraram que alguns fatores podem melhorar a precisão e a confiabilidade da identificação de testemunhas, como usar filas justas, evitar influências sugestivas, instruir as testemunhas adequadamente e registrar o procedimento. Mas nem sempre os policiais seguem essas práticas baseadas em evidências nos casos reais.
Por que existe uma lacuna entre pesquisa e prática na identificação de testemunhas? E como podemos reduzi-la? Um estudo de Cecconello e colegas respondeu a essas perguntas testando a eficácia de um programa de treinamento para policiais no Brasil. O programa, chamado FAIR (Find the suspect – Encontrar um suspeito, Avoiding Bias, Evitar o viés, Instruct the witness, Instruir a testemunha, Record the procedue, Registrar o procedimento), visava ensinar os policiais a conduzir procedimentos de identificação de testemunhas de acordo com as melhores evidências científicas.
Os pesquisadores recrutaram 88 policiais e os dividiram em dois grupos: um recebeu o treinamento FAIR e o outro não. O treinamento consistiu em quatro sessões de quatro horas cada, abordando tópicos como processos de memória, construção de alinhamento, instruções para testemunhas e métodos de gravação. Os pesquisadores avaliaram o desempenho dos dois grupos antes e depois do treinamento em uma tarefa de construção de alinhamento, onde eles tinham que criar um alinhamento com um suspeito e cinco pessoas baseados em uma descrição de um criminoso.
Os resultados mostraram que o treinamento FAIR melhorou os procedimentos de identificação dos policiais. Após o treinamento os policiais paresentaram alinhamentos mais justos, com maior inclusão de não suspeitos, instruções (por exemplo, declarando que o autor do crime pode não estar em meio aos rostos) e feedback (por exemplo pedindo o grau de confiança de maneira adequada). O grupo treinado também reduziu as práticas não recomendadas, como revelar a identidade do principal suspeito após uma resposta da testemunha.
O feedback dos policiaistambém apoiou a conclusão de que o treinamento FAIR aumentou seu conhecimento e conscientização sobre como conduzir procedimentos de identificação de testemunhas. No entanto, alguns participantes também expressaram preocupações sobre a viabilidade e aceitabilidade de implementar os procedimentos de reforma em seu ambiente de trabalho. Eles anteciparam que enfrentariam resistência de seus superiores e colegas, que talvez não estivessem familiarizados ou apoiassem as práticas baseadas em evidências, ou ainda que há necessidade do Estado oferecer infraestrutura adequda (por exemplo, um banco de não-suspeitos).
Este estudo demonstra que treinar policiais em procedimentos de identificação de testemunhas baseados em evidências pode melhorar seu desempenho e reduzir possíveis erros e vieses. No entanto, também destaca a necessidade de mais apoio e recursos das instituições e políticas policiais para possibilitar a adoção dessas práticas nos casos reais. Os autores sugerem que pesquisas futuras devem avaliar os efeitos de longo prazo do treinamento FAIR e seu impacto nos resultados reais da identificação de testemunhas.
Leia mais no artigo original: Cecconello, W. W., Fitzgerald, R. J., Milne, R., & Stein, L. M. (2022). Mind the gap: Bridging evidence-based witness identification procedures to practice through police training. International Journal of Police Science & Management, 14613557231159543.