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A prova dependente da memória é repetível, e isto pode ser um problema

Você já se perguntou como as pessoas lembram de um crime que presenciaram ou sofreram? Você sabia que a memória humana é suscetível a erros e distorções, que podem comprometer a veracidade e a validade das provas?

A prova penal dependente da memória é aquela que se baseia nas informações fornecidas por vítimas, testemunhas ou suspeitos sobre um fato criminoso, em especial por meio de entrevistas (oitivas ou depoimentos de vitimas, testemunhas e suspeitos) e reconhecimento de pessoas. Ela pode ser a única ou a principal evidência de que um crime ocorreu e de quem foi o seu autor. No entanto, ela também pode ser uma prova frágil e instável, pois depende do funcionamento da memória humana.

A memória humana não é uma gravação precisa e permanente de tudo que vivenciamos. É um processo dinâmico e complexo, composto por três etapas: codificação, armazenamento e recuperação da informação. Cada uma dessas etapas pode ser influenciada por diversos fatores.

Durante um evento, o cérebro interpreta e codifica as informações percebidas pelos sentidos. No entanto, a capacidade de atenção humana é limitada, o que significa que nem todos os estímulos do ambiente são codificados. Além disso, condições como estresse, distância e idade da testemunha podem afetar a qualidade da codificação da memória. Após a codificação, as informações são armazenadas, mas ao longo do tempo, a memória pode se deteriorar e informações podem ser esquecidas.

Durante a recuperação da memória, as informações armazenadas são evocadas. No entanto, a memória humana é maleável e suscetível a influências externas. Durante conversas com outras testemunhas, entrevistas policiais ou reconhecimento de suspeitos, novas informações podem ser adicionadas à memória original do evento. Essas informações adicionais podem levar a recordações falsas ou reconhecimentos equivocados.

A repetibilidade da prova dependente da memória pode representar um problema, pois a qualidade da memória original pode diminuir com o tempo. A repetição de entrevistas com testemunhas, especialmente sem a utilização de protocolos adequados, aumenta a probabilidade de modificações permanentes na memória original, resultando em perda e distorção de informações. Da mesma forma, o procedimento de repetição do reconhecimento de um suspeito pode gerar maior familiaridade com o rosto, levando a testemunha a ter uma convicção maior de que o suspeito é o verdadeiro perpetrador, mesmo que isso não seja verdade.

É crucial que entrevistas e reconhecimento de pessoas sejam realizadas por profissionais capacitados, seguindo protocolos cientificamente validados. Repetidas entrevistas podem trazer mais informações, desde que sejam realizadas adequadamente. No entanto, no contexto jurídico brasileiro atual, a falta de capacitação científica dos atores do sistema de justiça compromete a qualidade das entrevistas. Além disso, o tempo transcorrido desde o evento até a recuperação da memória também afeta sua qualidade, tornando as informações pós-evento mais suscetíveis a distorções.

Leia mais em: Cecconello, W. W., de Avila, G. N., & Stein, L. M. (2018). A (ir) repetibilidade da prova penal dependente da memória: uma discussão com base na psicologia do testemunho. Revista Brasileira de Políticas Públicas8(2), 1057-1073.

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