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Como a polícia de Londres está usando a ciência para interrogar suspeitos de crimes

A Polícia de Londres é uma das mais eficientes do mundo na investigação de crimes: esclarece 90% dos casos de homicídio – no Brasil, não há estatística nacional e, no Rio, é de 11,8%. Tidos como violentos até os anos 1970, os métodos de interrogatório usados pelos agentes londrinos são hoje considerados exemplares tanto pelo tratamento dado aos suspeitos como pelos resultados obtidos.

Nos interrogatórios, um rígido código de conduta impede ameaças e agressões, físicas ou psicológicas. O regulamento criado há mais de três décadas está sendo reformulado com a ajuda de especialistas que, pela primeira vez, usam métodos de pesquisa científica para analisar o comportamento de investigadores e suspeitos.

Quem está à frente da tarefa é Laurence Alison. Ao lado de sua mulher, Emily, também psicóloga forense e colega de universidade, ele já treinou centenas de policiais, militares e forças antiterroristas nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Canadá.

Em entrevista ao G1, Alison foi categórico ao afirmar que não há qualquer evidência científica que métodos agressivos funcionem. Pelo contrário, acabam atrapalhando a obtenção de informações que levem à resolução de crimes.

“Não há nenhuma evidência palpável e nenhum exemplo que eu tenha visto ou que qualquer outro pesquisador possa indicar de interrogatórios reais em que essas técnicas extremas tenham funcionado”, diz Laurence Alison. “Ficaria feliz em receber dados que eu possa analisar, mas até agora nem eu nem nenhum outro pesquisador tivemos contato com esse tipo de material e nem vimos isso funcionar.”

Em Londres, o psicólogo teve uma oportunidade inédita para um pesquisador da área: avaliar quase 900 horas de depoimentos secretos de suspeitos e detentos à polícia. Há gravações de paramilitares irlandeses, membros da Al-Qaeda, extremistas de direita e agentes secretos. O objetivo é aplicar a metodologia científica que ele desenvolveu para identificar o que funciona e reformular os padrões adotados pelas forças policiais no Reino Unido e nos Estados Unidos.

Cada gesto, interação e fala dos depoimentos foram classificados exaustivamente ao longo de oito meses, seguindo critérios elaborados e testados pelos pesquisadores. A pesquisa chegou a conclusões similares às de especialistas em interrogatório da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que condenam métodos violentos e adotam técnicas para criar uma relação direta com o suspeitos.

“Mesmo nos casos em que os entrevistadores tendiam apenas um pouco para um comportamento próximo à coerção ou ameaça nós descobrimos que tinha um poderoso efeito negativo na obtenção de informação dos detentos. Se o entrevistador agisse de forma neutra 90% do interrogatório e apenas um pouco do tempo agindo de forma ameaçadora ou sarcástica, isso fazia com que o suspeito se fechasse completamente.”

 

Alison ressalta que, nos interrogatórios da Polícia de Londres, não encontrou casos de comportamento violento, já que as forças policiais do Reino Unido seguem uma lei chamada de Police and Criminal Evidence Act. Essa legislação foi criada em 1984, após diversos casos notórios de violência policial que terminaram mal, especialmente na repressão a separatistas da Irlanda do Norte, responsáveis por diversos atos terroristas. Naquela época, as forças de segurança britânicas eram tidas como violentas, praticando tortura e até mantendo presos em campo de concentração.

Desde então, o cenário mudou totalmente. Hoje, os métodos de interrogatório britânicos são considerados exemplares e eficientes.

Alison tem vasta experiência no estudo de métodos de tortura adotados por militares no combate ao terrorismo em outros países. Parte de sua pesquisa, inclusive, é financiada pelo Grupo de Interrogatório de Detentos de Alto-Valor (HIG, do original em inglês), programa criado pelo governo dos Estados Unidos para reformular com base na ciência os métodos de interrogatório usados pelas forças policiais e militares especializadas norte-americanas.

Coordenado pelo FBI, o grupo é uma tentativa de superar o fracasso dos métodos de tortura adotados no combate ao terrorismo após os ataques de 11 de setembro de 2001. Logo depois dos atentados, foi oficializado pela primeira vez a militares norte-americanos o uso de técnicas abusivas de interrogatório, como afogamento e privação de sono, em suspeitos de terrorismo detidos em prisões no Afeganistão, Iraque e na base americana de Guantánamo, em Cuba.

Uma década depois, no entanto, o programa se mostrou um fracasso, como demonstrado em um extenso relatório de 6 mil páginas (veja aqui a versão reduzida liberada para divulgação no original, em inglês). O estudo elaborado a pedido do Comitê de Inteligência do Senado – responsável supervisionar as ações das agências de inteligência dos EUA – mostra que os métodos avançados de interrogação, como foram chamados atos como afogamento, privação de sono e outros, não têm nenhum efeito em conseguir informações úteis que levem à captura de terroristas ou impeçam ataques.

O governo norte-americano convidou Alison para mostrar como extrair informações de forma eficiente de terroristas e outros criminosos sem usar métodos violentos.

O método mais eficiente

 

Após anos de pesquisa, Alison chegou ao método que considera mais eficiente, baseado no conceito que chamada em inglês de “rapport”. A palavra não tem uma tradução fiel para o português, mas pode ser entendida como sintonia ou empatia com outra pessoa.

“Esse termo historicamente é mal compreendido. Se perguntarmos ao público em geral, eles tendem a imaginar que é algo piegas, sentimental”, diz o especialista. “Mas não é isso que significa. Na nossa definição e em relação à nossa pesquisa, significa ser flexível no trato e criar uma relação autêntica com a pessoa que está em sua frente. Algumas vezes, então, isso pode significar ser direto, incisivo e enérgico, mas nunca cruel, desumano ou humilhante.”

 — Foto: Editoria de Arte/G1

O especialista compara o interrogatório a um jogo de xadrez mental em que o melhor interrogador é aquele que consegue prever os próximos movimentos do interrogado e se antecipar ao que vai acontecer.

Para isso, deve ter a capacidade de identificar rapidamente o perfil do suspeito e o que ele deseja. Em seguida, adotar a estratégia mais adequada para conseguir as informações. O bom interrogador deve ter sangue frio para deixar as emoções fora da sala, ser flexível para agir de acordo com o contexto e estabelecer uma relação com o suspeito.

Ao avaliar o detento, o interrogador deve levar em conta ao menos quatro padrões de interação, segundo Alison: dominação, submissão, conflito, cooperação.

“Nós sugerimos aos interrogadores que primeiro façam a seguinte pergunta: a pessoa que está na minha frente quer estar acima ou abaixo de mim? Eles querem uma posição dominante ou submissa?”, diz. “Inferior não significa fraco. Pode ser que você precise ser mais humilde, mais paciente, mais persistente e adotar uma posição inferior.

“A próxima pergunta que o interrogador deve fazer é: eles estão atrás de uma briga ou de um abraço?”, diz o especialista. Segundo Alison, quando buscam o conflito, é preciso ser direto e não aceitar provocações, mas sem humilhar ou ofender. Se o interrogador é cooperativo, é a melhor das situações. Basta retribuir o gesto, tomando cuidado para não ser condescendente e nem dar muita intimidade.

Treinamento para todos

 

O treinamento de interrogadores na Polícia de Londres é feito em etapas. Os policiais se candidatam e, se aceitos, precisam mostrar que têm capacidade para avançar. “Há vários níveis de treinamento para interrogadores. O primeiro e o segundo são os básicos, que preparam para casos mais simples, como furtos e roubos. Nós entramos a partir do terceiro nível, mais avançado, quando policiais já podem lidar com casos de homicídio e estupro, por exemplo.”

Os treinamentos mais avançados envolvem sessões exaustivas de prática, incluindo o uso de atores profissionais. O ideal, segundo Alison, é ter equipes de elite para cuidar de casos complexos e melhorar o desempenho do restante dos profissionais para lidar com crimes mais simples. Isso porque nem todos podem ser bons interrogadores.

“É possível transformar um mau interrogador em um menos ruim, eliminando os maus hábitos. Mas nunca será um interrogador de elite”, diz ele. “Na minha experiência…nós treinamos muitos, muitos, muitos indivíduos aqui no Reino Unido, nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália…você tende a achar pessoas que são naturalmente boas e outras pessoas você pode passar semanas ou meses treinando e nunca se tornarão interrogadores.”

O que motiva a tortura

 

Mesmo com todas as implicações éticas e não sendo um método eficiente de conseguir informações, a tortura continua sendo usada no Brasil e no mundo. Em sua pesquisa, Alison conclui que há dois motivos para isso: vingança e desespero. No primeiro caso, as pessoas podem achar que o suspeito merece ou que vão se sentir melhor caso possam infligir algum sofrimento em alguém que cometeu um crime horrível.

“É uma resposta emocional compreensível em relação a alguém que tenha feito algo horrível a você, a quem você ama ou a seu país”, diz Alison. “Por exemplo, militares que viram o colega perder as duas pernas porque pisou em uma mina caseira e você espera que eles interroguem a pessoa que fez a bomba. É um pedido difícil. Manter o senso de humanidade, proporção e tratar a pessoa com respeito e dignidade, se aquela pessoa pode ser responsável pelo seu amigo ter perdido as pernas, os braços ou a vida.”

Outro fator que motiva a tortura é a falta de opções, que leva ao desespero nos casos em que o suspeito não colabora de nenhuma outra forma. “A verdade é que alguns suspeitos não vão falar com você. Você pode usar todos os métodos e táticas do mundo e eles não vão falar com você. E as pessoas ficam desesperadas e pensam ‘bom, nós tentamos tudo isso, então qual o mal em tentar (a tortura)?”, afirma.

“Nós temos que respeitar mais o trabalho dos interrogadores, entender os desafios que eles enfrentam, compreender um pouco mais as emoções que eles podem estar sentindo dependendo da situação. É um trabalho incrivelmente difícil e complexo, em que é necessário controle emocional constante e não trazer emoção de mais para a sala, não trazer muito de sua opinião pessoal e buscar entender, em vez de agredir, ameaçar e se vingar de alguém – por que nada disso funciona.”

 

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